sexta-feira, 28 de março de 2025

Tuas ruas meu caminhar!

 Sempre que penso em ti, com nostalgia de nosso tempo juntas, penso em tuas ruas. 

Dos dez anos em que convivemos diariamente, muitos foram os lugares onde estive, os endereços onde morei, as festas, os amigos, os amores, as memória. Porém,  sempre que penso em te ver de novo, é sempre nas tuas ruas que quero estar. 

Tuas calçadas irregulares, tuas avenidas largas, cortadas a cada 100 metros por tuas ruas estreitas. Tuas ruas com nome de avenida - embora não sejam - tuas vias sinuosas como um dia foram os trilhos dos trens que levaram a prosperidade as tuas terras. 

Das praças de árvores centenárias, aos prédios de muitos andares, da agitada vida noturna aos domingos de silêncio, o que mais amo é lembrar das tuas ruas e do meu caminhar. 

Desde o primeiro dia em que fixei residência em uma esquina da Avenida Brasil, tratei de me esforçar em decorar o nome de tuas ruas principais, aonde ficavam, para aonde levavam. E por muitos anos meu dia a dia foi de muito caminhar por teus logradouros. 

Sempre amei te conhecer. Me fiz adulta em tuas vias, cresci mergulhando nos teus becos, aprendi sobre a vida entre o agitado vai e vem da tua rotina. Aprendi a me guiar por teus bairros e ruas escondidas. Tuas ligações menos usadas, tuas escassas ruas de paralelepípedo. Teus bairros menos famosos, que no silêncio das segundas feiras a tarde, me lembravam minha pequena cidade natal. 

Meus passos receosos pelas noites escuras. Meus passos rápidos pra não perder o ônibus. Minha mente viajante viajando longe enquanto teus comércios - fonte principal do teu viver- passavam como borrão pela janela do ônibus. 

Meus passos largos rumo ao trabalho e meus passos lentos de volta pra casa. Os passos ofegantes depois do cigarro - sobremesa típica daqueles tempos - os eventuais passos trôpegos, resultado do álcool. E também os firmes e responsáveis passos pra faculdade. 

Já há muitos anos és memória, vens à tona no silencio de meus pensamentos no automatizado trabalho manual que exerço. E quando penso na saudades....minha saudades é sempre essa...sempre de tuas ruas...sempre do meu caminhar. 

Me vejo cruzando a Praça da Cuia, e a Praça do Hospital São Vicente. Passo em frente a padaria na frente do hospital. Fico feliz com as árvores que emolduram o campo do quartel e com a rua que se alarga a perder de vista...

Num outro saudosismo à toa, caminho na lateral de outra praça, desvio os olhos do camelô, foco nos imensos pés de algodão...logo ali tem o Velvet, e aquela Chopperia que pouco tempo durou. Dobro à direita. 

Também desço ruas apertadas demais para 2 carros passarem, ladeira a baixo, tem o Zaffari da Vergueiro. Ladeira a cima, sabia que tem muitas ruas de paralelepípedo e casas enormes? Que o bairro Fátima se liga com a Vera Cruz? 

E lá na outra ponta, onde a Cohab 1 e 2 são divididas pela Av Brasil e os dias de semana são calmos como cidade de interior. Você conhece? 

Que do Boqueirão você chega na Lucas Araújo, e logo ali é a Vila Luiza. Que a Sete de Setembro termina estreita, quase sem importância, perdida e sinuosa ela morre entre casinhas antigas lá na Ângelo Preto. 

Que a Morron é linda no Natal e que a Praça Santa Terezinha é a minha preferida da cidade. Que o Sétimo Céu é ponto histórico, e que todo mundo sabe onde fica a decida do capingui. Que a Gare era perigosa e puro mato, que o Passo Fundo Shopping não passava de um paredão enorme, de um pavilhão desativado. Que o Bella Citta já foi metade do que é, e que a outra metade não passava de um estacionamento enorme do mercado Zaffari, com um quiosque do Mac Donald na esquina. 

Que o Shopping Plaza já foi famoso, assim como o bailão da 15. Que o cinema do Bourbon já teve seus dias de glória. Que as galerias da cidade já foram refúgios famosos de muitos comércios. Que as locadoras de vídeo cassete e DVD eram enormes e famosas. Que o Hospital de Clínicas, era Hospital da Cidade e também era metade do que é hoje. Que o Mucio de Castro já foi o único teatro da cidade e que ali nos fundos rolava um sopão comunitário pras pessoas carentes...e se você descer as escadas vai se deparar com a escondida Biblioteca Municipal? 

Ahhh quantas e quantas histórias, quantas e quantas ruas, quanto caminhar. 

Foi sempre um prazer... fisicamente não caminho mais por tuas ruas, mas mentalmente sigo caminhando por ti...pelas tuas ruas o meu caminhar! 

sábado, 22 de março de 2025

A casa das vassouras

 Era um sábado de sol manso, primeiro ou segundo dia de outono, não me recordo bem. Ainda fazia calor no sul do mundo, embora as folhas das árvores balançassem mansamente e o sol em diagonal já não aquecesse tanto a terra como antes. 

Estacionada a esmo numa rua qualquer admirando os tons dourados e aconchegantes que o sol impunha ao entrar pela janela aberta do carro, sinto meu olhar até então distraído ser fisgado por uma cena curiosa. 

Do outro lado da rua uma casa cinza com grades pretas de estrelinha nas janelas, exibe uma curiosa coleção de vassouras em sua varanda. Minimamente curioso.

A varanda bastante diminuta, quase que apenas um patamar, se estende por no máximo dois metros na lateral da casa cinza, logo ao final do último dos dois degraus que levam na calçada até a porta de entrada da casa. 

Uma cerquinha de ferro forma o peitoral que ladeia a lateral e o fundo da varandinha. E é lá, na parte do fundo da varanda, que fica a coleção de vassouras. São seis vassouras e uma pá, todas penduradas logo abaixo do teto da varanda, enganxadas pela ponta do cabo num varão branco que se estende da coluna até a parede na lateral da porta da casa. 

São vassouras de diferentes tamanhos. Redondas, quadradas, quase todas mesclando tons de verde. 

Enquanto analiso a cena curiosa e me perfunto: porquê alguém guarda suas vassouras na entrada da casa, expostas de frente pra rua?! 

Pareço descobrir a possível resposta. 

Um senhor na faixa de 70 anos salta da porta com, pasmem, uma vassoura nas mãos. Ele vem varrendo a casa de dentro pra fora, varre a varanda em questão e então termina pendurando sua vassouras também no telhado da varanda, porém na ponta da frente, quase sobre o último degrau da escada. 

Ele desce e em seguida volta com um pano nas mãos, se ajoelha e passa o pano no piso da varanda, logo após ele estende o pano na cerca da varanda, distraído bate a cabeça na vassoura que está sobre o degrau da escada e assim termina sua faxina semanal. 

Dois cachorros caramelo surgem na varanda e se deitam com paciência no piso a recém limpo. O homem some para os fundos da casa e tudo parece perfeitamente em ordem na casa cinza do outro lado da rua. 

Concluo aquilo que já sabemos...homens são bem mais práticos e tem bem menos senso estético que as mulheres.

sábado, 15 de março de 2025

O que realmente fica!

 Meu último tchau teve um " eu te amo" e um "amanhã eu volto". Nossas últimas horas foram como que um resumo de inúmeros momentos que tivemos juntos ao longo da vida. 

O cenário era o quarto de hospital, desta vez eu era a acompanhante e não a paciente, você contou histórias da vida...e nesse dia eram inéditas, histórias de tempos distantes, com direito a aventura, medos, detalhes... histórias como me contou ao longe de uma vida toda. Desde as que me contava para eu dormir na infância, até as que contava como ensinamento de vida. E eu sempre amei ouvir todas elas. 

Deixou, neste último dia, lições sobre janelas que devem ser fechadas à noite, falou sobre as dores e surpresas do dia anterior e entre sonecas e papos aleatórios, café da manhã e almoço, compartilhamos no mínimo 8 das tuas últimas 10 horas de vida! 

Se eu soubesse que era o fim não sei se faria algo diferente, porque na verdade nosso dia foi cheio de amor, paz e respeito...como em geral sempre foram todos os nossos dias juntos ao longo dos meus 35 anos. 

Você partiu de pressa num dia quente de sol escaldante, naquela hora da tarde onde parece que o calor é tanto que o tempo para. E parou! Teu coração parou...e um vazio enorme imediatamente estagnou nossos mundos. 

Do dia do adeus até hoje já se passaram 60 dias e hoje eu sei que o que realmente fica são as memórias. O que realmente fica é teus passos lentos e firmes caminhando até a minha casa, sempre com balde de frutas e verduras nas mãos. É a tua voz no portão dizendo pros cachorros: "chama a Denise." É teu jeito de caminhar com as mãos juntas nas costas enquanto analisava mais uma das minhas mil ideias de reforma. O barulho da camionete parando na rua, tuas ideias, tua ajuda, tua prontidão pra todos os serviços possíveis. 

O que fica é a paixão pela terra, pelo silêncio, pelo trabalho.  Os jogos de carta que aprendi contigo, teu olhar visionário, a aptidão pra gambiarras que eu herdei de ti, assim como a veia empreendedora que nos liga. 

O que fica é ver você em cada detalhe. No forro da garagem que fizemos juntos, nos caminhos de pedra que cortam o meu jardim, feitos por ti. Nas mil coisas que você que fez, ajudou, arrumou...

O que realmente fica é saudades. Muita saudades! E a saudades meu vô é a prova de que tudo valeu a pena... de que nossa história juntos foi linda e repleta de bons momentos. 

Obrigada por tudo e por tanto! Cada ensinamento tá comigo, cada abraço, cada história, cada carinho. Das mamadeiras da infância até as cervejas da vida adulta. Guardo tudo no meu coração...num relicário enorme aonde cabe toda uma vida de lembranças! 

Te amo pra sempre! Até breve ☘️


domingo, 23 de abril de 2023

Aquilo que fica!

 O que uma pessoa deixa quando se vai?! 

Me fiz essa pergunta num domingo de manhã lindo de sol. Não que eu esteja triste, ou que alguém tenha partido, mas por algum motivo inexplicável me pus a pensar...o que fica quando alguém se vai?! 

Não estou falando das memórias, nem das pessoas, e nem do pesar... estou aqui pensando naquelas coisas práticas, aquelas miudezas, aquele monte de objetos, por vezes esquecidos em fundos de gavetas, que serão escarafunchados por familiares ou amigos e trazidos a luz. 

Cartas, chaveiros velhos, uma vela de um aniversário distante. Um embrulho guardado para reutilizar um dia desses. Cadernos pela metade, livros, canetas jogadas aqui e ali. Um punhado de cremes nos armários do banheiro, a escova de dente abandonada para sempre. 

E aqueles pequenos hábitos intrínsecos de cada um, as pequenas coisas escondidas, tudo é descortinado, revelado, esvaziado. Aquela roupa velha que a pessoa amava usar e aquelas novas que nunca foram usadas...tudo perde o sentido. 

Por vezes imóveis inteiros, cômodos inteiros, com seus móveis. Por fim, as plantas do jardim ficam abandonadas, os animais de estimação divididos entre parentes ou abandonados a própria sorte. E num piscar de olhos tudo aquilo que uma pessoa foi capaz de criar e de produzir se reduz a nada entre os dedos ansiosos - talvez zelosos - viscosos de pesar daqueles que ficam. 

Então, porque juntamos tanto? Porque trabalhamos tanto por mais e mais? Mais roupas, mais móveis, mais imóveis, mais de tudo e cada vez menos tempo. É uma lógica avessa e estranha a da vida como a conhecemos e como nos comportamos diante dela. 

Talvez o tempo resignifique as coisas. Talvez aprendamos num futuro distante, que o valor de fato de uma vida é o que fica mas não é palpável. É aquilo que não precisa ser desenterrado de gavetas...porque não está ali, está na memória, na história, na marca que deixamos nessa passagem por aqui. Algo dito, algo escrito, algo vivido, gravado, estampado, pintado. A arte de qualquer que seja a forma, como matriz de uma marca que é única que é exclusiva e rica. 


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Domingos de chuva

Domingos de chuva vem como um aval para o não fazer nada. É em domingos de chuva que, sem culpa, você simplesmente se deixa ficar. Derrama o corpo na cadeira, no sofá ou na cama e permanece na inércia vendo o tempo passar. 

Pega um livro ou liga a TV. Assiste um filme qualquer ou mergulha de cabeça num seriado por horas a fio. Não tira o pijama o dia todo, toma mais café do que deveria, come qualquer coisa, umas porcarias ou tira o tempo de fazer aquela comida gostosa e demorada. 

Nos domingos de chuva você tem a garantia de que ficar em casa é o melhor negócio e então se livra do peso daquela dinâmica social que diz que domingos de sol devem ser aproveitados ao máximo, com passeios, praia, amigos, família.

Domingos de chuva são aconchegantes, intimistas, serenos, calmos e sutis. Te obrigam a acalmar a mente e buscar dentro de si e do seu infinito particular um quê pra fazer ou não fazer. 

Domingos de chuva são caixinhas de possibilidades de autoconhecimento. É um pouco de você que surge de baixo da correria do dia a dia. 

Mas, num mundo de redes sociais de dias de sol, um dia de chuva pode trazer angústias, pode trazer um desespero para aqueles que não estão acostumados a ficar na sua própria companhia, a parar e curtir um momento de silêncio, de paz, de tranquilidade...de nada. 

Para mim é gostoso, o barulho da chuva no telhado, a certeza de que vou passar o dia curtindo a casa com o meu amor! Essa coisa gostosa de aquietar-se sem culpas. De saber que estamos em casa mas não estamos perdendo nada lá fora. Não poderíamos estar em outro lugar, nenhum passeio, nenhum trabalho externo. 

A grama não pode ser cortada, as árvores podadas, a parede não pode ser pintada, os exercícios físicos ao ar livre são suspensos. Diante da completa falta de possibilidades lá fora...eu curto muito estar aqui dentro. No meu mundo no meu momento, e tá tudo bem! Não é um dia perdido, pelo contrário. 

É claro que amo dias de sol, e domingos de sol. Amo passear, conhecer novos lugares e até mesmo aproveitar pra cuidar do jardim ou correr na rua. Mas num mundo sempre cheio de tarefas é a chuva que vem e freia tudo aquilo que não é essencial. As vezes desfaz planos, muda a rotina. 

Eu, deixo a chuva lavar a alma, limpar o céu, descarregar as energias, levar embora tudo o que estava acumulado aqui e ali, deixo a água correr livre lá fora enquanto olho pela janela e me deixo ficar, aqui, quietinha, sob o peso do nada. 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

De novo aqui

 Existem lugares, assim como pessoas, que de forma inexplicável impactam nossas vidas e marcam de forma indelével o nosso ser e quando nos damos conta aquele lugar faz parte da gente, parte daquilo que vivemos, e mesmo que longe, ou completamente fora do habitual, é como se sempre estivéssemos estado lá. 

Para mim esse relacionamento estranho, essa sensação de pertencimento de um local do qual nunca pertenci de fato - ao menos não racionalmente nesta vida - é as Ruínas de São Miguel das Missões. 

O Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo é o que restou de uma das reduções jesuíticas, pertencente aos antigos sete povos das Missões. Localizada no noroeste gaúcho, na atual São Miguel das Missões, a redução foi iniciada por volta de 1687 quando o território pertencia aos espanhóis. Foi um local próspero, de cultura, artes, estudos e integração dos povos indígenas com os espanhóis. Também foi território de disputa entre espanhóis e portugueses e foi parcialmente destruída durante a guerra guaranitica em meados de 1756. 

Somente em 1925 começou sua recuperação no intuito de preservar a história da formação do Rio Grande do Sul e de seus primeiros habitantes. Foi tombado como patrimônio histórico pelo IPHAN em 1938 e em 1983 recebeu o título de Patrimônio Mundial da UNESCO. 

Eu era criança na metade da década de 90 quando a minha escola organizou uma viagem de estudos para as Missões. De minha parte não havia interesse algum em conhecer o local, confesso que naquela época, onde tudo o que se sabia do mundo era o que aparecia na TV ou o que se podia pesquisar na Barsa, eu não sabia exatamente o que estava indo conhecer. Mas o importante era a viagem, a noite viajando, os colegas, o dia de passeio fora dos muros do Colégio Estadual de  Primeiro e Segundo Grau Carneiro de Campos.

Fecho os olhos e posso sentir aquele dia até hoje. Lembro de descer do ônibus e procurar por um orelhão para ligar para casa e avisar que havíamos chegado. Na lateral externa do centro de atendimento ao turista, o orelhão preso a parede foi a linha que me comunicou com a minha família a mais de 300km de distância. Foi a primeira vez que fiz uma ligação desse tipo. 

Quando passamos os portões que dão acesso às Ruínas, foi uma sensação estranha, uma calma, uma paz e ao mesmo tempo me senti maravilhada com o que via. Era surreal tocar aquelas paredes, andar por entre as pedras que foram colocadas ali a tanto tempo. 

Me senti segura, pertencente. Ficamos ali para assistir o show de som e luzes que acontece todas as noites e que conta a história da redução. Era excitante fazer uma atividade à noite, com meus colegas e tão longe de casa. Foi incrível. 

Muitos anos depois eu sempre pensava em retornar, e no meu intimo mantinha a curiosidade de identificar se, de fato, aquela sensação diferente que eu lembrava de ter sentido na primeira visita, era apenas fruto de um cenário de descobertas e primeiras vezes de uma menina, ou se de fato existia um magnetismo ali. 

Eu retornei ja adulta e confirmei a sensação, e ao completar 34 anos, pisei pela terceira vez nessas terras e novamente me certifiquei de que esse sentimento de paz interior, de pertencimento, quase de aconchego, essa vontade de ficar, de olhar mais um pouco, de tocar mais uma pedra, caminhar para mais um canto, desvendar cada fenda e cada árvore é de fato real. 

Enfim não sei dizer o quê me chama, nem o porquê desse encantamento. Não consigo encontrar nem na minha história nem nas minhas raízes algo que justifique. Talvez seja a energia indígena, talvez o encantamento natural pela história e pelo que é antigo. Mas seja pelo motivo que for, esse lugar nessa cidade tão pequena e distante de casa, tem um pedacinho do meu coração e ricas memórias sensoriais que marcam sutilmente meu ser. 


terça-feira, 14 de março de 2023

O Anjo na Cama

 Das coisas que nunca gostei de fazer está a árdua e diária tarefa de arrumar a cama, para mim sempre foi um fardo sacudir as cobertas, esticar os lençóis, bater os travesseiros para que voltassem ao formato normal, endireitar as fronhas, e dobrar as cobertas. 

Parece simples e sei que muitas pessoas realizam essa tarefa ainda de olhos fechados pela manhã, num automático estica e puxa, como mágica, tudo está no lugar. Mas para mim nunca foi assim. 

Quando criança minha avó exigia que a cama fosse arrumada de imediato, as vezes eu levantava e ia até o banheiro antes, e se ela passasse pelo quarto, eu já ouvia "Denise, arruma a cama antes de sair do quarto!" Nem o xixi matinal tinha preferência...a cama arrumada em primeiro lugar! 

Talvez seja por isso que eu tenha tanta raiva de arrumar a cama. Além de ter que fazer antes de qualquer outra atividade, minha avó ainda exigia que a coberta cobrisse por completo a cama e os lençóis. Se uma pontinha de lençol estivesse aparecendo por de baixo da coberta eu teria de refazer tudo. Para uma criança, lidando com roupa de cama de casal, não era uma tarefa muito fácil, e confesso que muitas vezes eu acordava e adiava o levantar só para não ter que arrumar a cama. 

Sempre dormi em cama de casal junto com a minha mãe, e como ela levantava antes de mim, a cama impecavelmente esticada era minha tarefa. 

Sai da casa dos meus avós aos 17 anos e jurei que na minha casa a cama não seria prioridade. Era de uma alegria e de uma liberdade sem igual. Eu levantava pela manhã e ia para a faculdade sem nem pensar na cama. Chegava de noite e me enroscava nas cobertas e lençóis emaranhados que pareciam já ter o formato exato do meu corpo. 

A cama só recebia um trato no dia da troca dos lençóis ou quando eventualmente minha mãe vinha visitar. 

Dos 17 aos 27 alguns relacionamentos se passaram e a cama sempre foi uma questão. Eu não arrumava e a pessoa da vez era que dava jeito de arrumar ou de brigar comigo para que eu arrumasse. 

Aos 27 entrei num novo relacionamento e lá estava a cama por fazer. Eu sempre levantava depois e muitas vezes deixava a cama desarrumada, mas logo percebi que a pessoa da vez não gostava nada nada disso. Como eu passava a manhã toda em cada, comecei a arrumar aos 45 do segundo tempo, antes que ela chegasse do trabalho. 

Mas nós chegamos num acordo que me agradou, ao invés de esticar os lençóis e cobertas, eu poderia só dobra-los e deixa-los aos pés da cama. Isso me deixou feliz me pareceu mais prático e rápido, então comecei a fazê-lo com mais satisfação. 

De noite, antes de dormir, ela esticava os lençóis e todos ficávamos felizes. 

Mas com o passar dos anos, percebi que apenas dobrar as cobertas e lençóis não era o suficiente, pois ela sempre chegava e "terminava" de arrumar a cama batendo os travesseiros, puxando o lençol de baixo para que ele ficasse bem esticadinho na cama e recolocando entre os dois travesseiros a almofada decorativa que todas as manhãs eu deixava jogada no chão, embora tenha sido minha ideia comprá-la! 

Mas tudo mudou! 

Em uma noite de verão, já deitadas na cama, após o beijo de boa noite, repeti as palavras de sempre "Te Amo, boa noite, dorme com Deus e sonha com os anjinhos", ao invés de ouvir o "obrigada igualmente" de sempre, ela me disse: " sabe porque que tu tem que arrumar a cama todas as manhãs?! Porque se tu não arrumar o teu anjinho da guarda fica aqui na cama, porque como ele é o teu anjo, ele é preguiçoso igual a você, e se a cama estiver desarrumada, ele vai ficar aqui...tu vai sair sem ele!" Eu dei risada na hora e achei engraçada a ideia, e ela concluiu " nunca te disseram isso?! Que tem que arrumar a cama pro anjinho levantar?!" Diante da minha negativa ela ainda deliberou " mas é assim, e pra garantir tem que por a almofada no lugar, que aí ele não tem mesmo como ficar deitado no travesseiro!" 

Na manhã do dia seguinte me peguei arrumando a cama para que o anjo da guarda levantasse junto comigo e daquele dia em diante, sempre que tento sair do quarto com a almofada jogada no chão, acabo retornando e colocando a almofada no lugar...pra garantir né! 

E assim, aos 33 anos, uma explicação cheia de amor, crenças e carinho, me trouxe a consciência de que preciso arrumar a cama todas as manhãs, pra garantir aquela proteção angelical no meu dia! 

Hoje meu anjinho já pulou da cama e o seu?! 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Um salve aos desejos de Natal


Especialmente para você, meu amor Cris Lang! 

 Nunca imaginei, ou pensei, ou sequer fiz pedidos no Natal... talvez na infância 🤷🏻‍♀️ Não sei! 

Mas já faz um tempo que eu vivi a magia dos desejos de Natal se realizarem e desde então percebi que não são só os desejos de Natal que se realizam, mas sim todos aqueles bons desejos feitos de coração, por pessoas de bom coração ! Tudo aquilo que se quer com entusiasmo, com vivacidade, e sem prejudicar ninguém... tudo pode se realizar ❤️ 

Hoje... nesse dia que é super especial pra Nós, eu celebro a vida ao teu lado! Celebro e agradeço por ter te encontrado, por ter tido meu sonho de Natal realizado... e depois dele... foram tantos outros né ?! 

Neste Natal de 2020 eu sou pura Gratidão! Gratidão por te ter ao meu lado, pela nossa família, pelo nosso negócio, nossos clientes, nossa casa, nossas coisas todas... e em especial gratidão pela saúde ❤️ Pela parceria, cumplicidade e amor que existe entre nós! 

Gratidão pelas conquistas deste ano difícil mas que juntas enfrentamos com muita criatividade, comida 😜, corridas 🤷🏻‍♀️ , trabalho, companheirismo e amor! 

E... pra te agradecer pela pessoa maravilhosa, pela esposa incrível, pela mãe impecável que você é... eu tenho uma surpresa virtual 🎁 (pra combinar com esse 2020 que foi super virtual 😬)

Quer saber o que é?! 

Então vem me encher de beijos pra descobrir 😉

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Estações

 O nome que tem não se sabe, tão pouco sua idade, embora pareça jovem. 

Nas tardes de inverno se mantém crua e seca. Embala os dias frios em finos galhos. Na primavera carrega pequenas folhas verde escuras que enchem na velocidade da luz, e a cada alvorecer a tornam mais bela. Logo próximo ao verão pequenas bolinhas aparecem nas pontas de seus galhos e do dia pra noite abrem miúdas e frágeis cachos de flores rosa punk. 

Encantando os olhos daqueles que a olham, derrama suas flores no chão com o passar rápido dos carros na rua. Flores que correm ligeiras deixando o asfalto pontilhado de cor de rosa para em seguida depositarem-se calmas sobre a grama verde dos canteiros ou entre os desníveis e buracos do rejunte das calçadas. Ali quebram o cinza da obra dos homens com o suave arco ires da obra divina. 

Quando o outono chega com seus dias secos e amenos suas folhas ganham tons avermelhados como fogo que caem enchendo as valetas de sua tonalidade única. Caem carregadas de uma força que insiste em colorir os tristes blocos de pedra e asfalto que compõem nossas ruas. 

Entre tantas monocromáticas, ela embeleza solitária as quatro estações. Que sorte a nossa ser ela moldura da nossa janela! 

Olhos azuis acinzentados

 Os olhos azuis acinzentados gritam beleza cravejados em um rosto roliço de bochechas salientes. O cabelo ocre e ralo dá sinais de estresse emoldurando o rosto cansado, que se mantém firme sobre um corpo desproporcional que balanceia cocho para o lado direito. O peso em excesso cansa as pernas curtas e os pés pequenos. 

No conjunto um projeto criado para encantar com seus olhos azuis acinzentados. Na prática, pobres olhos perdidos num emaranhado de massa cansada, que briga para se sustentar sobre os pés!