quarta-feira, 12 de abril de 2023

De novo aqui

 Existem lugares, assim como pessoas, que de forma inexplicável impactam nossas vidas e marcam de forma indelével o nosso ser e quando nos damos conta aquele lugar faz parte da gente, parte daquilo que vivemos, e mesmo que longe, ou completamente fora do habitual, é como se sempre estivéssemos estado lá. 

Para mim esse relacionamento estranho, essa sensação de pertencimento de um local do qual nunca pertenci de fato - ao menos não racionalmente nesta vida - é as Ruínas de São Miguel das Missões. 

O Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo é o que restou de uma das reduções jesuíticas, pertencente aos antigos sete povos das Missões. Localizada no noroeste gaúcho, na atual São Miguel das Missões, a redução foi iniciada por volta de 1687 quando o território pertencia aos espanhóis. Foi um local próspero, de cultura, artes, estudos e integração dos povos indígenas com os espanhóis. Também foi território de disputa entre espanhóis e portugueses e foi parcialmente destruída durante a guerra guaranitica em meados de 1756. 

Somente em 1925 começou sua recuperação no intuito de preservar a história da formação do Rio Grande do Sul e de seus primeiros habitantes. Foi tombado como patrimônio histórico pelo IPHAN em 1938 e em 1983 recebeu o título de Patrimônio Mundial da UNESCO. 

Eu era criança na metade da década de 90 quando a minha escola organizou uma viagem de estudos para as Missões. De minha parte não havia interesse algum em conhecer o local, confesso que naquela época, onde tudo o que se sabia do mundo era o que aparecia na TV ou o que se podia pesquisar na Barsa, eu não sabia exatamente o que estava indo conhecer. Mas o importante era a viagem, a noite viajando, os colegas, o dia de passeio fora dos muros do Colégio Estadual de  Primeiro e Segundo Grau Carneiro de Campos.

Fecho os olhos e posso sentir aquele dia até hoje. Lembro de descer do ônibus e procurar por um orelhão para ligar para casa e avisar que havíamos chegado. Na lateral externa do centro de atendimento ao turista, o orelhão preso a parede foi a linha que me comunicou com a minha família a mais de 300km de distância. Foi a primeira vez que fiz uma ligação desse tipo. 

Quando passamos os portões que dão acesso às Ruínas, foi uma sensação estranha, uma calma, uma paz e ao mesmo tempo me senti maravilhada com o que via. Era surreal tocar aquelas paredes, andar por entre as pedras que foram colocadas ali a tanto tempo. 

Me senti segura, pertencente. Ficamos ali para assistir o show de som e luzes que acontece todas as noites e que conta a história da redução. Era excitante fazer uma atividade à noite, com meus colegas e tão longe de casa. Foi incrível. 

Muitos anos depois eu sempre pensava em retornar, e no meu intimo mantinha a curiosidade de identificar se, de fato, aquela sensação diferente que eu lembrava de ter sentido na primeira visita, era apenas fruto de um cenário de descobertas e primeiras vezes de uma menina, ou se de fato existia um magnetismo ali. 

Eu retornei ja adulta e confirmei a sensação, e ao completar 34 anos, pisei pela terceira vez nessas terras e novamente me certifiquei de que esse sentimento de paz interior, de pertencimento, quase de aconchego, essa vontade de ficar, de olhar mais um pouco, de tocar mais uma pedra, caminhar para mais um canto, desvendar cada fenda e cada árvore é de fato real. 

Enfim não sei dizer o quê me chama, nem o porquê desse encantamento. Não consigo encontrar nem na minha história nem nas minhas raízes algo que justifique. Talvez seja a energia indígena, talvez o encantamento natural pela história e pelo que é antigo. Mas seja pelo motivo que for, esse lugar nessa cidade tão pequena e distante de casa, tem um pedacinho do meu coração e ricas memórias sensoriais que marcam sutilmente meu ser. 


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