segunda-feira, 23 de março de 2020

Na memória!

Quando o primeiro caso de Covid19 surgiu na nossa pequena cidade, eu pensei imediatamente nos meus avós! E em como devemos protegê-los de tudo isso. Ao longo do dia exaustivo de trabalho, pensei neles o tempo todo. Ansiosa para vê-los, mas sabendo que não poderia tocá-los. Resolvi trocar a visita pela ligação ao final do dia.

Nos minutos ao telefone dei severas recomendações. Minha avó com a voz embargada exclamava “Meu Deus...meu Deus! Mas vamos rezar, e ficar em casa, vai ficar tudo bem”. O medo se transforma em fé absoluta, e tem uma beleza indescritível nessa força e nessa coragem que vem dos seus 80 anos de vida. Pouco antes de encerrar a conversa, eu no topo dos meus 30 anos, disse firmemente “A coisa é muito séria vó! Eu nunca, nos meus 30 anos, vi nada igual! Nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer!”. Acreditando no impacto das minhas palavras e na força dos trinta anos de experiências... recebi como resposta uma frase que nunca havia ouvido antes! “ Mas eu, nos meus 80 também não!”
E nesse momento eu percebi que vivíamos um momento único. Uma situação maior que os meus 30 e que os 80 da minha avó... maior do que qualquer humano poderia imaginar!

No dia seguinte, encomendei as comprar do mercado pela internet, as minhas e as deles. Solicitei a entrega na casa dos meus avós e me desloquei até lá para buscar a minha parte das compras e para pagar.

Apenas uma quadra separa nossas casas. Fui tomando todos os cuidados, levando comigo uma toalhinha descartável e um desinfetante em um borrifador spray. Quando cheguei o portão da casa estava trancado, abri com a minha chave e entrei. Dali já podia ver, através do vidro da porta da frente,  o topo da cabeça do meu avô sentado na cadeira ao redor da mesa da cozinha. Quando me viu, ele abriu a porta sorridente. Minha avó sentada ao seu lado também sorriu e eles me convidaram para entrar! Naquele momento eu tive que ser forte para negar o abraço, o beijo carinhoso. Entrei mantendo distância, sem encostar em nada. Fiquei de pé o tempo todo, e conversei a distância.

Logo optamos por ir para a varanda da casa, um local mais arejado, relativamente longe da calçada. Meu avô sentou em uma cadeira, minha avó em outra. Eu sentei no chão longe deles e minha mãe que mora no andar de baixo, havia subido e também estava sentada no chão longe de mim e deles. Essa cena causava estranhamento pela distância entre nós, ver-nos assim despertava dúvidas infinitas sobre o momento que vivemos e sobre o futuro próximo. Mas nada traria mais realidade pra aquele momento do que a chegada das compras do mercado.

Meus avós já acharam engraçado poder fazer as compras pelo celular. E estavam prestes a buscar o dinheiro quando eu disse que pagaria pelo cartão para não terem que mexer no dinheiro. Quando a kombi parou na frente de casa eles se levantaram, eu pedi que mantivessem distância. Quando o entregador desceu com duas caixas, luvas nas mãos e máscara no rosto, meus avós paralisaram, olhavam com ar de incertezas. Pela primeira vez, o que a dias eles viam apenas na TV  , estava acontecendo ali, na varanda da casa deles.

Retirei as coisas das caixas pedindo para que eles não encostassem em nada. Paguei com o cartão e o entregador saiu. Seguindo seus passos eu fui desinfetando tudo, as maçanetas, e por fim as compras. Quando comecei a passar o pano com desinfetante nas compras, pude ver o olhar incrédulo deles. A surpresa, o medo, a incerteza. Parados na soleira da porta eles tinham os olhos estalados, úmidos por trás dos óculos de grau. O silêncio pairava no ar. Me olhavam sem nada dizer. Como se fosse necessário o mais absoluto silêncio para absorver aquele momento inacreditável de filme de terror.
As frutas colocadas na cuba da pia da cozinha, mergulhadas na mistura de água e água sanitária. As embalagens limpas sobre a mesa. Tudo aquilo trazia uma atmosfera de apocalipse.

Nesse ato simples, nessas coisas do cotidiano profundamente alteradas pela presença do inimigo invisível, é que se percebe a força do que estamos enfrentando.

O que vi no olhar deles nesse dia, jamais sairá da minha memória! Foi único! Foi intenso perceber que mesmo com toda a vida que já passou pelos seus olhos, mesmo com tudo o que já viram e vivenciaram, o simples ato de fazer compras pudesse causar tanta estranheza.

Sem beijos e sem abraços me despedi com um “Eu amo vocês!” E com a certeza de ter cumprido meu dever naquele dia e naquele momento!

sábado, 21 de março de 2020

Pânico - Ele está entre nós !

Era uma quarta feira como outra qualquer na pequena cidade simpatia. Pouco mais de 15.000 habitantes seguindo suas vidas nas entranhas do Rio Grande do Sul. Num cantinho cercado por morros de todos os lados, a sensação de segurança pairava no ar.

As crianças corriam pelos corredores das Escolas ao som do sinal para o recreio. Os trabalhadores a passos largos entravam e saíam de seus postos de trabalho. As donas de casa se envolviam com as panelas para o almoço. Os jovens ocupavam as praças. E os idosos se divertiam em rodas de chimarrão nos Postos de Combustível, ao redor das mesas de jogatina nos botecos, e tomando sol em grupos nos bancos da praça. Tudo seguia seu curso natural... apenas um dia qualquer!

Sabedores da situação do coronavírus em outras localidades do país, os Serafinenses humildemente acreditavam que nada tiraria a paz das nossas ruas amáveis e dos nossos lindos Castelos.

O que ninguém sabia era que já a cerca de uma semana, o inimigo nos rodeava. Aderindo aos objetos aqui e ali, passando no aperto de mãos dos conhecidos, no amigável tapinha nas costas. Seguindo viagem nos trocos guardados nas carteiras, e aos poucos ocupando espaços por todo lugar. Desonesto o vírus que ataca pelas costas, silencioso, potente, invisível.

Mas naquela quarta feira, para nós, o vírus ganhou um nome e um rosto. Itelvino Mezzomo, o senhor de 63 anos conhecido por toda a comunidade, passou a ser a imagem do vírus entre nós! Internado em estado grave, travando uma batalha pela sua própria vida, ele trouxe o pânico e acendeu o sinal de alerta na nossa comunidade .

Repentinamente não éramos mais pequenos, não éramos mais um município simpático e esquecido. Éramos, em poucas horas, mais uma estatística. Mais um caso. Mais um número no painel do Coronavírus. O primeiro caso da região.

E desde então deixamos de ser quem somos, para fazer parte de um filme de terror. Uma filme de guerra. Uma luta travada contra um inimigo mortal, que nos torna frágeis e vencíveis. Mas também uma dura batalha contra a ignorância, contra a estupidez, contra o descaso e o egoísmo que matam antes mesmo do vírus!

Apavorados correram as compras. Alguns com máscaras, outros com luvas. Avançaram no álcool gel.  Buscaram não se aglomerar, mas se abraçaram nos amigos. No mercado só um por vez pode entrar, mas na fila de espera se tocam e se empuleram. Os idosos, como grupo de risco, ao invés de se fecharem em casa atendendo ao apelo dos sistemas de saúde, correm aos habituais pontos de encontro para conversar com os amigos sobre o Sr Itelvino. E assim... na contramão das orientações, se expõem ao risco.

Com lágrimas nos olhos fechamos nossos comércios. Nos retiramos em nossas casas sem saber quando e como poderemos voltar.


Pré Pânico

Já a algum tempo decidi, pelo bem da minha sanidade mental, manter distância da realidade do nosso país! Não porque não me importe, bem ao contrário, as dores das injustiças e dos discursos e atitudes ignorantes que tomaram conta do cenário nacional são tão desesperadoras que me apertam o peito, me dói na alma. E cansada de tentar, sem sucesso, compreender e aceitar certas atitudes do nosso povo e dos nossos governos, optei por distanciar-me para evitar um colapso! Assim, o que os olhos não veem o coração não sente e fico na lamentável ignorância dos fatos, acompanhando com distância saudável uma que outra notícia que inevitavelmente acaba passando pelas minhas mãos. 

Sendo assim, quando o mundo voltou os olhos pra situação da China com seu organizado e incrivelmente ágil sistema de construção de Hospitais para a contenção do, na ocasião, controverso Coronavírus, eu na minha bolha de proteção, vi apenas pequenos lances em redes sociais. Claro que me chamou a atenção a construção em tempo recorde dos hospitais e de igual forma o avanço desse novo vírus, que arrebatava com tanta seriedade a vida e a rotina das pessoas. 

Meu primeiro pensamento frente a situação foi.: “O que esse vírus tem de tão diferente para causar tanto pânico?! E reações tão complexas por parte dos Chineses ?! “ Minha inquietação ficou sem resposta, também não busquei a fundo pela informação. Segui a corrida rotina dos meus dias sem me preocupar. 

Não tardou para o brasileiro encontrar um jeitinho de justificar o que não é capaz de entender. E então, se alastrando tão rápido quanto o vírus pelo velho mundo, se proliferavam no Brasil as vozes dos que afirmavam que o então Covid19 era uma farça, um vírus criado em laboratório pelos Chineses para mexer com a economia mundial, o que lhes traria muito dinheiro com compra de ações de empresas e dólares ! E num piscar de olhos todos se tornaram especialistas em Economia Mundial,  todos passaram a entender sobre bolsa de valores, queda do dólar, e até mesmo sobre a crise financeira da China! 

Esbravejaram por dias suas teorias baseadas no achismo, em textos, vídeos e áudios disseminados a revelia por grupos de WhatsApp e redes sociais! 

Enquanto isso...O vírus ganhava as ruas, ultrapassava fronteiras, entrava na vida das famílias em todos os cantos do mundo. E assim, invisível aos olhos, foi tomando conta do cenário mundial e chocando aqueles que duvidaram da sua força e da sua capacidade! 

Não tardou para os cientistas desmentirem o bla bla bla de “vírus criado em laboratório”. E a luz da ciência nos mostrar que o Sr. Coronavírus - Covid19 não é nada mais nada menos que uma mutação de um vírus que até então se manifestava apenas em animais silvestres! Essa descoberta cala os ignorastes (alguns... porque sempre tem os que insistem em crer que sabem mais que a ciência), mas não contém o avanço indescritível do vírus! 

Na minha pequenez, segui lamentando as perdas e acompanhando de longe, em lances aqui e ali, o desenrolar de tudo. Pensando que não temos no Brasil um sistema de saúde com a estrutura dos demais países previamente afetados e que mesmo equipados estão em colapso. E naqueles momentos de egoísmo que assola todos os seres humanos, me vi agradecendo por viver numa cidade pequena, aparentemente distante do mundo hostil, distante das mazelas. Pouco vulnerável ao que vinha acontecendo mundo a fora. Mas... não há lugar pequeno ou isolado o suficiente para um ataque daquilo que não podemos ver! 

E então... ele chega aqui. Sim, chega ao Brasil pelas nossas sempre escancaradas fronteiras. Adentra o país como um cidadão qualquer, invade nossas terras, e toma nossas riquezas mais preciosas, toma nossas vidas... nos tira o direito de ir e vir, e nos aprisiona em nossos lares sem hora para sair!