domingo, 23 de abril de 2023

Aquilo que fica!

 O que uma pessoa deixa quando se vai?! 

Me fiz essa pergunta num domingo de manhã lindo de sol. Não que eu esteja triste, ou que alguém tenha partido, mas por algum motivo inexplicável me pus a pensar...o que fica quando alguém se vai?! 

Não estou falando das memórias, nem das pessoas, e nem do pesar... estou aqui pensando naquelas coisas práticas, aquelas miudezas, aquele monte de objetos, por vezes esquecidos em fundos de gavetas, que serão escarafunchados por familiares ou amigos e trazidos a luz. 

Cartas, chaveiros velhos, uma vela de um aniversário distante. Um embrulho guardado para reutilizar um dia desses. Cadernos pela metade, livros, canetas jogadas aqui e ali. Um punhado de cremes nos armários do banheiro, a escova de dente abandonada para sempre. 

E aqueles pequenos hábitos intrínsecos de cada um, as pequenas coisas escondidas, tudo é descortinado, revelado, esvaziado. Aquela roupa velha que a pessoa amava usar e aquelas novas que nunca foram usadas...tudo perde o sentido. 

Por vezes imóveis inteiros, cômodos inteiros, com seus móveis. Por fim, as plantas do jardim ficam abandonadas, os animais de estimação divididos entre parentes ou abandonados a própria sorte. E num piscar de olhos tudo aquilo que uma pessoa foi capaz de criar e de produzir se reduz a nada entre os dedos ansiosos - talvez zelosos - viscosos de pesar daqueles que ficam. 

Então, porque juntamos tanto? Porque trabalhamos tanto por mais e mais? Mais roupas, mais móveis, mais imóveis, mais de tudo e cada vez menos tempo. É uma lógica avessa e estranha a da vida como a conhecemos e como nos comportamos diante dela. 

Talvez o tempo resignifique as coisas. Talvez aprendamos num futuro distante, que o valor de fato de uma vida é o que fica mas não é palpável. É aquilo que não precisa ser desenterrado de gavetas...porque não está ali, está na memória, na história, na marca que deixamos nessa passagem por aqui. Algo dito, algo escrito, algo vivido, gravado, estampado, pintado. A arte de qualquer que seja a forma, como matriz de uma marca que é única que é exclusiva e rica. 


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Domingos de chuva

Domingos de chuva vem como um aval para o não fazer nada. É em domingos de chuva que, sem culpa, você simplesmente se deixa ficar. Derrama o corpo na cadeira, no sofá ou na cama e permanece na inércia vendo o tempo passar. 

Pega um livro ou liga a TV. Assiste um filme qualquer ou mergulha de cabeça num seriado por horas a fio. Não tira o pijama o dia todo, toma mais café do que deveria, come qualquer coisa, umas porcarias ou tira o tempo de fazer aquela comida gostosa e demorada. 

Nos domingos de chuva você tem a garantia de que ficar em casa é o melhor negócio e então se livra do peso daquela dinâmica social que diz que domingos de sol devem ser aproveitados ao máximo, com passeios, praia, amigos, família.

Domingos de chuva são aconchegantes, intimistas, serenos, calmos e sutis. Te obrigam a acalmar a mente e buscar dentro de si e do seu infinito particular um quê pra fazer ou não fazer. 

Domingos de chuva são caixinhas de possibilidades de autoconhecimento. É um pouco de você que surge de baixo da correria do dia a dia. 

Mas, num mundo de redes sociais de dias de sol, um dia de chuva pode trazer angústias, pode trazer um desespero para aqueles que não estão acostumados a ficar na sua própria companhia, a parar e curtir um momento de silêncio, de paz, de tranquilidade...de nada. 

Para mim é gostoso, o barulho da chuva no telhado, a certeza de que vou passar o dia curtindo a casa com o meu amor! Essa coisa gostosa de aquietar-se sem culpas. De saber que estamos em casa mas não estamos perdendo nada lá fora. Não poderíamos estar em outro lugar, nenhum passeio, nenhum trabalho externo. 

A grama não pode ser cortada, as árvores podadas, a parede não pode ser pintada, os exercícios físicos ao ar livre são suspensos. Diante da completa falta de possibilidades lá fora...eu curto muito estar aqui dentro. No meu mundo no meu momento, e tá tudo bem! Não é um dia perdido, pelo contrário. 

É claro que amo dias de sol, e domingos de sol. Amo passear, conhecer novos lugares e até mesmo aproveitar pra cuidar do jardim ou correr na rua. Mas num mundo sempre cheio de tarefas é a chuva que vem e freia tudo aquilo que não é essencial. As vezes desfaz planos, muda a rotina. 

Eu, deixo a chuva lavar a alma, limpar o céu, descarregar as energias, levar embora tudo o que estava acumulado aqui e ali, deixo a água correr livre lá fora enquanto olho pela janela e me deixo ficar, aqui, quietinha, sob o peso do nada. 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

De novo aqui

 Existem lugares, assim como pessoas, que de forma inexplicável impactam nossas vidas e marcam de forma indelével o nosso ser e quando nos damos conta aquele lugar faz parte da gente, parte daquilo que vivemos, e mesmo que longe, ou completamente fora do habitual, é como se sempre estivéssemos estado lá. 

Para mim esse relacionamento estranho, essa sensação de pertencimento de um local do qual nunca pertenci de fato - ao menos não racionalmente nesta vida - é as Ruínas de São Miguel das Missões. 

O Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo é o que restou de uma das reduções jesuíticas, pertencente aos antigos sete povos das Missões. Localizada no noroeste gaúcho, na atual São Miguel das Missões, a redução foi iniciada por volta de 1687 quando o território pertencia aos espanhóis. Foi um local próspero, de cultura, artes, estudos e integração dos povos indígenas com os espanhóis. Também foi território de disputa entre espanhóis e portugueses e foi parcialmente destruída durante a guerra guaranitica em meados de 1756. 

Somente em 1925 começou sua recuperação no intuito de preservar a história da formação do Rio Grande do Sul e de seus primeiros habitantes. Foi tombado como patrimônio histórico pelo IPHAN em 1938 e em 1983 recebeu o título de Patrimônio Mundial da UNESCO. 

Eu era criança na metade da década de 90 quando a minha escola organizou uma viagem de estudos para as Missões. De minha parte não havia interesse algum em conhecer o local, confesso que naquela época, onde tudo o que se sabia do mundo era o que aparecia na TV ou o que se podia pesquisar na Barsa, eu não sabia exatamente o que estava indo conhecer. Mas o importante era a viagem, a noite viajando, os colegas, o dia de passeio fora dos muros do Colégio Estadual de  Primeiro e Segundo Grau Carneiro de Campos.

Fecho os olhos e posso sentir aquele dia até hoje. Lembro de descer do ônibus e procurar por um orelhão para ligar para casa e avisar que havíamos chegado. Na lateral externa do centro de atendimento ao turista, o orelhão preso a parede foi a linha que me comunicou com a minha família a mais de 300km de distância. Foi a primeira vez que fiz uma ligação desse tipo. 

Quando passamos os portões que dão acesso às Ruínas, foi uma sensação estranha, uma calma, uma paz e ao mesmo tempo me senti maravilhada com o que via. Era surreal tocar aquelas paredes, andar por entre as pedras que foram colocadas ali a tanto tempo. 

Me senti segura, pertencente. Ficamos ali para assistir o show de som e luzes que acontece todas as noites e que conta a história da redução. Era excitante fazer uma atividade à noite, com meus colegas e tão longe de casa. Foi incrível. 

Muitos anos depois eu sempre pensava em retornar, e no meu intimo mantinha a curiosidade de identificar se, de fato, aquela sensação diferente que eu lembrava de ter sentido na primeira visita, era apenas fruto de um cenário de descobertas e primeiras vezes de uma menina, ou se de fato existia um magnetismo ali. 

Eu retornei ja adulta e confirmei a sensação, e ao completar 34 anos, pisei pela terceira vez nessas terras e novamente me certifiquei de que esse sentimento de paz interior, de pertencimento, quase de aconchego, essa vontade de ficar, de olhar mais um pouco, de tocar mais uma pedra, caminhar para mais um canto, desvendar cada fenda e cada árvore é de fato real. 

Enfim não sei dizer o quê me chama, nem o porquê desse encantamento. Não consigo encontrar nem na minha história nem nas minhas raízes algo que justifique. Talvez seja a energia indígena, talvez o encantamento natural pela história e pelo que é antigo. Mas seja pelo motivo que for, esse lugar nessa cidade tão pequena e distante de casa, tem um pedacinho do meu coração e ricas memórias sensoriais que marcam sutilmente meu ser.