sexta-feira, 28 de março de 2025

Tuas ruas meu caminhar!

 Sempre que penso em ti, com nostalgia de nosso tempo juntas, penso em tuas ruas. 

Dos dez anos em que convivemos diariamente, muitos foram os lugares onde estive, os endereços onde morei, as festas, os amigos, os amores, as memória. Porém,  sempre que penso em te ver de novo, é sempre nas tuas ruas que quero estar. 

Tuas calçadas irregulares, tuas avenidas largas, cortadas a cada 100 metros por tuas ruas estreitas. Tuas ruas com nome de avenida - embora não sejam - tuas vias sinuosas como um dia foram os trilhos dos trens que levaram a prosperidade as tuas terras. 

Das praças de árvores centenárias, aos prédios de muitos andares, da agitada vida noturna aos domingos de silêncio, o que mais amo é lembrar das tuas ruas e do meu caminhar. 

Desde o primeiro dia em que fixei residência em uma esquina da Avenida Brasil, tratei de me esforçar em decorar o nome de tuas ruas principais, aonde ficavam, para aonde levavam. E por muitos anos meu dia a dia foi de muito caminhar por teus logradouros. 

Sempre amei te conhecer. Me fiz adulta em tuas vias, cresci mergulhando nos teus becos, aprendi sobre a vida entre o agitado vai e vem da tua rotina. Aprendi a me guiar por teus bairros e ruas escondidas. Tuas ligações menos usadas, tuas escassas ruas de paralelepípedo. Teus bairros menos famosos, que no silêncio das segundas feiras a tarde, me lembravam minha pequena cidade natal. 

Meus passos receosos pelas noites escuras. Meus passos rápidos pra não perder o ônibus. Minha mente viajante viajando longe enquanto teus comércios - fonte principal do teu viver- passavam como borrão pela janela do ônibus. 

Meus passos largos rumo ao trabalho e meus passos lentos de volta pra casa. Os passos ofegantes depois do cigarro - sobremesa típica daqueles tempos - os eventuais passos trôpegos, resultado do álcool. E também os firmes e responsáveis passos pra faculdade. 

Já há muitos anos és memória, vens à tona no silencio de meus pensamentos no automatizado trabalho manual que exerço. E quando penso na saudades....minha saudades é sempre essa...sempre de tuas ruas...sempre do meu caminhar. 

Me vejo cruzando a Praça da Cuia, e a Praça do Hospital São Vicente. Passo em frente a padaria na frente do hospital. Fico feliz com as árvores que emolduram o campo do quartel e com a rua que se alarga a perder de vista...

Num outro saudosismo à toa, caminho na lateral de outra praça, desvio os olhos do camelô, foco nos imensos pés de algodão...logo ali tem o Velvet, e aquela Chopperia que pouco tempo durou. Dobro à direita. 

Também desço ruas apertadas demais para 2 carros passarem, ladeira a baixo, tem o Zaffari da Vergueiro. Ladeira a cima, sabia que tem muitas ruas de paralelepípedo e casas enormes? Que o bairro Fátima se liga com a Vera Cruz? 

E lá na outra ponta, onde a Cohab 1 e 2 são divididas pela Av Brasil e os dias de semana são calmos como cidade de interior. Você conhece? 

Que do Boqueirão você chega na Lucas Araújo, e logo ali é a Vila Luiza. Que a Sete de Setembro termina estreita, quase sem importância, perdida e sinuosa ela morre entre casinhas antigas lá na Ângelo Preto. 

Que a Morron é linda no Natal e que a Praça Santa Terezinha é a minha preferida da cidade. Que o Sétimo Céu é ponto histórico, e que todo mundo sabe onde fica a decida do capingui. Que a Gare era perigosa e puro mato, que o Passo Fundo Shopping não passava de um paredão enorme, de um pavilhão desativado. Que o Bella Citta já foi metade do que é, e que a outra metade não passava de um estacionamento enorme do mercado Zaffari, com um quiosque do Mac Donald na esquina. 

Que o Shopping Plaza já foi famoso, assim como o bailão da 15. Que o cinema do Bourbon já teve seus dias de glória. Que as galerias da cidade já foram refúgios famosos de muitos comércios. Que as locadoras de vídeo cassete e DVD eram enormes e famosas. Que o Hospital de Clínicas, era Hospital da Cidade e também era metade do que é hoje. Que o Mucio de Castro já foi o único teatro da cidade e que ali nos fundos rolava um sopão comunitário pras pessoas carentes...e se você descer as escadas vai se deparar com a escondida Biblioteca Municipal? 

Ahhh quantas e quantas histórias, quantas e quantas ruas, quanto caminhar. 

Foi sempre um prazer... fisicamente não caminho mais por tuas ruas, mas mentalmente sigo caminhando por ti...pelas tuas ruas o meu caminhar! 

sábado, 22 de março de 2025

A casa das vassouras

 Era um sábado de sol manso, primeiro ou segundo dia de outono, não me recordo bem. Ainda fazia calor no sul do mundo, embora as folhas das árvores balançassem mansamente e o sol em diagonal já não aquecesse tanto a terra como antes. 

Estacionada a esmo numa rua qualquer admirando os tons dourados e aconchegantes que o sol impunha ao entrar pela janela aberta do carro, sinto meu olhar até então distraído ser fisgado por uma cena curiosa. 

Do outro lado da rua uma casa cinza com grades pretas de estrelinha nas janelas, exibe uma curiosa coleção de vassouras em sua varanda. Minimamente curioso.

A varanda bastante diminuta, quase que apenas um patamar, se estende por no máximo dois metros na lateral da casa cinza, logo ao final do último dos dois degraus que levam na calçada até a porta de entrada da casa. 

Uma cerquinha de ferro forma o peitoral que ladeia a lateral e o fundo da varandinha. E é lá, na parte do fundo da varanda, que fica a coleção de vassouras. São seis vassouras e uma pá, todas penduradas logo abaixo do teto da varanda, enganxadas pela ponta do cabo num varão branco que se estende da coluna até a parede na lateral da porta da casa. 

São vassouras de diferentes tamanhos. Redondas, quadradas, quase todas mesclando tons de verde. 

Enquanto analiso a cena curiosa e me perfunto: porquê alguém guarda suas vassouras na entrada da casa, expostas de frente pra rua?! 

Pareço descobrir a possível resposta. 

Um senhor na faixa de 70 anos salta da porta com, pasmem, uma vassoura nas mãos. Ele vem varrendo a casa de dentro pra fora, varre a varanda em questão e então termina pendurando sua vassouras também no telhado da varanda, porém na ponta da frente, quase sobre o último degrau da escada. 

Ele desce e em seguida volta com um pano nas mãos, se ajoelha e passa o pano no piso da varanda, logo após ele estende o pano na cerca da varanda, distraído bate a cabeça na vassoura que está sobre o degrau da escada e assim termina sua faxina semanal. 

Dois cachorros caramelo surgem na varanda e se deitam com paciência no piso a recém limpo. O homem some para os fundos da casa e tudo parece perfeitamente em ordem na casa cinza do outro lado da rua. 

Concluo aquilo que já sabemos...homens são bem mais práticos e tem bem menos senso estético que as mulheres.

sábado, 15 de março de 2025

O que realmente fica!

 Meu último tchau teve um " eu te amo" e um "amanhã eu volto". Nossas últimas horas foram como que um resumo de inúmeros momentos que tivemos juntos ao longo da vida. 

O cenário era o quarto de hospital, desta vez eu era a acompanhante e não a paciente, você contou histórias da vida...e nesse dia eram inéditas, histórias de tempos distantes, com direito a aventura, medos, detalhes... histórias como me contou ao longe de uma vida toda. Desde as que me contava para eu dormir na infância, até as que contava como ensinamento de vida. E eu sempre amei ouvir todas elas. 

Deixou, neste último dia, lições sobre janelas que devem ser fechadas à noite, falou sobre as dores e surpresas do dia anterior e entre sonecas e papos aleatórios, café da manhã e almoço, compartilhamos no mínimo 8 das tuas últimas 10 horas de vida! 

Se eu soubesse que era o fim não sei se faria algo diferente, porque na verdade nosso dia foi cheio de amor, paz e respeito...como em geral sempre foram todos os nossos dias juntos ao longo dos meus 35 anos. 

Você partiu de pressa num dia quente de sol escaldante, naquela hora da tarde onde parece que o calor é tanto que o tempo para. E parou! Teu coração parou...e um vazio enorme imediatamente estagnou nossos mundos. 

Do dia do adeus até hoje já se passaram 60 dias e hoje eu sei que o que realmente fica são as memórias. O que realmente fica é teus passos lentos e firmes caminhando até a minha casa, sempre com balde de frutas e verduras nas mãos. É a tua voz no portão dizendo pros cachorros: "chama a Denise." É teu jeito de caminhar com as mãos juntas nas costas enquanto analisava mais uma das minhas mil ideias de reforma. O barulho da camionete parando na rua, tuas ideias, tua ajuda, tua prontidão pra todos os serviços possíveis. 

O que fica é a paixão pela terra, pelo silêncio, pelo trabalho.  Os jogos de carta que aprendi contigo, teu olhar visionário, a aptidão pra gambiarras que eu herdei de ti, assim como a veia empreendedora que nos liga. 

O que fica é ver você em cada detalhe. No forro da garagem que fizemos juntos, nos caminhos de pedra que cortam o meu jardim, feitos por ti. Nas mil coisas que você que fez, ajudou, arrumou...

O que realmente fica é saudades. Muita saudades! E a saudades meu vô é a prova de que tudo valeu a pena... de que nossa história juntos foi linda e repleta de bons momentos. 

Obrigada por tudo e por tanto! Cada ensinamento tá comigo, cada abraço, cada história, cada carinho. Das mamadeiras da infância até as cervejas da vida adulta. Guardo tudo no meu coração...num relicário enorme aonde cabe toda uma vida de lembranças! 

Te amo pra sempre! Até breve ☘️